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Monday, December 26, 2011

Inéditos publicados neste Blog em 2006, que julgava esquecidos
**
tudo parece que foi ontem
*
por um dia de parto
escreve-se um comício:
tudo parece ontem
o hospital e o paraíso.
os mesmos anjos
no limite d'ervas.
estamos reunidos com o doutor do
mundo
ninguém escreverá uma dor que seja.
*
no meu caderno de palavras prosseguem os rascunhos, certo
dia que ouço o barulho que vem da cozinha, os curtos passos de uma mulher
atarefada, atarantada, bailo naquele átrio, o barulho próprio das cozinhas, a
imaginação compõe uma orquestra. inédito absorvível, provavelmente ainda não
concluído. eis...
.
LABORATÓRIO
.
Tagarelando a orquestra teus utensílios
cada vez mais teus sons o toque de um copo
uma tampa rolando o ruído da frigideira
tangível teu corpo deste ímpeto informe
mãos no olfacto som no paladar,
água na fervura. você me aquece,
.
cheia de temperaturas
em todo teu corpo houvera uma tempestade:
o corpo candente
a farinha branca
a panela a ferver e eu a ferver
.
fogo no espírito, operária
de novo venho entregar-me
faço parte dessa fórmula secreta
aprontada em ponto de fogo.

Thursday, December 01, 2011

PALAVRA INDOLOR

A palavra indolor tu a tens livre
tu afagas a palavra que mais se sente
tu a aproximas de mim é pequena e dura
começa na consciência
resolve-se em barulho;
dizem mesmo que cabe dentro de uma rosa
pode ser uterina como um mioma
pode ser cutânea uma cicatriz
também gestante gemido palavreado;
mais cabe em ti repousada. lírica. roliça.
Com ela mato a sede

Saturday, November 26, 2011

DESCER À CHUVA

..

chega dos rumores tece um parto à chuva;
sua bruma é o leite da manhã;
tem duas ânforas dispersas no peito
e alimenta os nervos à flor das paixões.

também eu desci à chuva cede-me uma ânfora;
havemos de conversar carne na carne;
na bruma da sua pele produzimos a língua;
os nossos nervos aproximam-se
como duas aves lânguidas tomadas de espasmos.

in a vitória é uma ilusão de filósofos e de loucos
......
(minúsculas águas)
..
a vida é para mim um aguardar d'águas;
o âmnio esclarece-me a visão.
quando chove estendo o corpo à beira das estradas,
marcho onde retorna o arco
íris sempre atento à púrpura o olhar de uva e
quando o sonho move águas
e a menina do olho bebe leite
como a prostituta singela em seu feriado
desdobra a seiva que destina ao mundo abastado.
ainda chego matinal ao orvalho e recolho
os três poemas: a semente. o grão. o fruto.
..
in o gasto da semente

Sunday, November 13, 2011

OUTRAS LEITURAS

RICARDO RISO REVISITA CABO VERDE
...

Numa viagem que pressupunha breve ao blog 'sonhos não envelhecem', deparo-me com a antologia que distingue poetas de Cabo Verde - ANTOLOGIA DE POESIA CONTEMPORÂNEA - organizada por Ricardo Riso e bem ilustrada por Abrão Vicente e Mito Elias. O prazer da leitura discorre os olhos e distende meus neurónios sobre a matéria, vários corpos figurativamente belos que são poemas, as vezes prosa, rutilantes como o sangue das artérias e fui-me embora com eles, festejando. Abreviando, aflora-me o espanto, aborda-me o belo experimentalismo de Filinto Elísio. Coisa nova. Vou procurar ler mais este poeta no que tange ao seu estruturalismo, a sua metáfora de ponta e ao seu coeso estilo. Também os nervos colheram de Margarida Fontes uma coisa linda, na lucidez dos seus descaminhos. Espanto, minha gente. Sempre digo que tenho sorte quando encontro tão "novos" poemas. E agradeço.

Saturday, November 05, 2011




A GRAVATA AMARELA





Eu e a Ruth Pemba sonhamos muito.
Foi por mero desejo que começamos a cruzar os sonhos, mas ela com algum
capricho afirmava que tudo não passava de simples coincidência. Tenta
ludibriar-me e desexplicar como tudo foi e não foi mas a verdade tem mais essa:
desde o primeiro dia que a vi, imaginei coisas tão novas do que se pode ter de
uma mulher, enquanto o seu olhar me despia. Logo, a culpa é também minha e não
há-de jamais ser órfã.
Ruth vivia no nono andar do edifício cinco e normalmente chegava a pé
até cá abaixo onde moro. Da primeira vez pesava-lhe a noite, mas estava uma lua
libidinosa e compensadora. Cheia de bunda, uma boca rude e fresca num riso
maciço, foi a estender e a distorcer-se em idas e voltas, até que o primeiro
dos meus sonhos ela o reviveu completo. Estava um sol abrasador nesse sonho e
ela comigo amorosamente sós, fritando os miolos no inferno, passe o exagero.
Depois ela contou-me com exactidão meu próprio sonho e foi talmente que
estremeci enquanto ela não desbocava o tal riso carnudo numa boca cheia.
Nossa comunicação restringia-se a crises de sonho que citávamos um para
o outro, desde a noite que acordei pesaroso para escapar de um pesadelo.
Encontrei-a instintivamente, atónita, como se escapasse de uma fúria e que
havia encontrado a serpente exactamente onde eu a detivera.
- Andou por aqui uma serpente?
Fiquei assustado, mais sério do que no outro dia. Não acha que é
coincidência demais sonharmos os mesmos conteúdos, sempre? Praticamente não nos
conhecemos – estranhava algo furioso mas metódico; eu sei que para com ela os
meus motivos são simplesmente eróticos e, por esse andar, havia já ultrapassado
o necessário.
Continuávamos essa insólita convivência contra um mundo que nos vigia,
por obra das circunstâncias; correu tudo bem como os anjos quiseram nos
primeiros doze oníricos meses até que aconteceu o caso da gravata amarela.
Acontece que andava eu acordado num festival de sonhos, alguma vez,
quando um casal amigo apareceu, não sei se para casar, sonhar ou para se
embebedar. Pelo rumo do dia eles se embriagaram mesmo. Disseram-me que estavam
algumas horas atrasados e que iam se casar. Era quinta-feira e em Luanda os
casamentos são geralmente celebrados às sextas-feiras. Portanto, não podiam
estar atrasados como tal. Saí logo que se foram embora, fui comprar uma gravata
para me arrumar e ir de fato assistir ao casamento amigo.

Numa dessas casas espelhadas que agora invadem a baixa de Luanda – e
digo agora porque ainda há pouco a cidade carecia de espelhos e tinha acumulado
o lixo do mundo; e digo mais porque noutro tempo o que encarecia a vida não era
o ter que pagar mas ter o que comprar, com a guerra desinvestindo, a cidade
parada - numa dessas casas comprei,
dizia, uma gravata amarela.
Aprumei-me, vesti um casaco cinza e uma calça mais escura. A camisa
branca subjugava-se ao vistoso amarelo do meu adereço. Eu esbanjava entusiasmo
ao ponto daquele fulano que nunca me dirigiu conversa indagar perplexo:
- Senhor Afonso, onde tanta alegria vai?
Ia eu para a conservatória testemunhar o casamento de um amigo com a sua
flor – disse-lhe com poesia, meu sorriso resplandecia aos pequenos raios de sol
que acabava de descobrir-se por dentro da minha timidez; o meu sorriso sabe ser
vasto quando o momento assim pensa, até pelo menos chegar algo que me amargue.
O que amarga é também vasto, ou mágoa, qual desacordo. Nem seja sombra.
Reparei quando a voz debilitada do mesmo fulano suava por saudar outro
qualquer, quase que na mesma conjuntura:
- Senhor Vita, onde vai tanta alegria?
Assustei-me: há-de o tal Vita estar em minhas circunstâncias? O caminho
dele achega-se ao meu? Podemos padecer da mesma alegria como adeptos de um
mesmo clube ou é o povo que tem em alguns os mujimbos e a ironia… Os rumores
chateiam-me.
Levanto os olhos e vejo um senhor de cinzento; um cinza menos vistoso do
que a qualidade do meu traje. O que acabou comigo é o caso de que o tipo trazia
inequivocamente a minha gravata, o brilho amarelo da minha forquilha,
assustei-me de novo. Quase o vi sorrindo com os meus olhos, digo que o que
achei nos seus olhos é a minha boca sorrindo ainda à brisa, digo, ele estava
coberto de toda minha alegria.
Respondia então ao fulano:
- Vou para o cemitério; vou a um funeral – disse numa resposta folgada.
Achei difícil qualquer homem que seja, ir a um funeral com uma gravata
amarela. Penso que cada cor serve a um determinado lugar ou destinação. Não
gosto, por exemplo, ver o presidente empossar ministros com um fato preto; as
grandes catedrais podem fascinar com paredes brancas; a cor do uniforme da
polícia nacional é um claro exemplo de como se pode estar bem com a cor.
- Quem é aquela pessoa? – perguntei logo que o homem cinzento se foi com
a sombra, sem que fizesse caso de como estávamos parecidos naquela manhã.
Tinham-me respondido que era o senhor Vita mas isso já o sabia. E
respondiam-me mais:
- É o Vita Pemba.
Não me ocorreu antes que Ruth tivesse aquele homem. Com ela me afeiçoei
e sonhei sem que algo me dissesse mais sobre suas intimidades. É lógico, nossas
relações limitavam-se à palavras sonhadas, por vezes pedaços de sonhos ou
sorrisos partilhados. De modo nenhum imaginei que Ruth Pemba fosse casada.
Senti-me contrariado sem direito ao ciúme.
Tenho um argumento de vítima, pois que naquela partilha de sonhos
ultrajados agora, ela detivera a cor e a beleza da minha gravata. Preparou o
marido para ir a um funeral com a cor mais intensa entre as cores que escolhi
para colorir-me. Senti-me invadido na minha utopia.
Fui argumentar com ela e, afinal, ela só falava coisas minúsculas, com
aquelas palavrinhas repetidas nos nossos sonhos ou, quando muito, alongava
sonhos repetidos. Sempre fora assim, desde que me vira chocado com a sua
kimbundaria; e desde aquele sonho abrasador que no começo nós sonhamos em noite
escura. Um minuto só mais e lá estava ela a me encher com a malícia do sorriso.
Deixei de lhe cumprimentar; e de lhe perguntar os sonhos de quê. Por
desilusão ou por ciúme, talvez pelas duas mágoas ou por simples ira, impus um
castigo: parei de lhe sonhar e ela não se via mais na minha memória, nem se
encontrava nas minhas noites. É muito simples: eu não tinha mais sonhos.
Para mim as coisas tomaram o rumo da gravidade. Não menos para Ruth que
passou quase a distanciar-se dos vivos
para limitar-se à penumbra do seu quarto no nono andar do edifício cinco.
Tentava apagar os dias lastimando o facto de não poder avistar-se comigo no
limbo das noitadas. Para ela os meus sonhos tinham acontecido tarde demais, ao
ponto de só agora ter vivido o paraíso onírico.
- Olha lá! É uma instância que acontece apenas na infância, porra! –
exclamei porque estou bastante admirado pelo facto de só agora ela surreambular
em canteiros da infância.
Nessa época não podia imaginar que a sua alegria passasse assim tanto
por mim. Nunca fui inspiração para ninguém! Muito depois vim a saber que por
esses meses que se seguiram ao meu distanciamento, Ruth dormia tentando avistar
o meu sonho mas apenas avistava minhas lucubrações. Algum tempo depois saía
delirando pelas ruas de muitos meses, ou seja, eram tantas ruas e ruelas do
passado numa obnubilação de muitos nervos, como quando alguém desmaia na
insónia. Ouviram-na ainda contar que toda sua vida fora um mistério. Segundo
ela, passam dezoito anos que não sonha com coisa nenhuma e isso piora a matéria
de tal mistério. Não entendi nada mas ela tinha confusamente dito isso, como eu
saberia mais tarde.
Foi um “Deus que nos acuda” com muita gente a tentar remediar o caso
receitando ervas, orações e comprimidos mas resistia a qualquer mutação da sua
vida nova. Mentira, nunca foram anos mas sim meses, ela precisaria ter mais do
que os seus vinte e quatro anos para ficar apenas com a memória daqueles
sonhos, segundo a experiência da idade. Pelo que sei, transformar meses em anos
é uma faculdade dos delírios e só dos delírios. Por isso fui, e até por dever,
procurá-la.
Encontrei-a assim na Avenida Lisboa, ali na berma do Bairro Prenda, onde
acontecia uma revolução em
pleno Outubro, com gente aos bandos atirando, com revoltas e
explosões que a acordaram no meio de outro delírio entre a sonolência e a
vigília. Não foi nada de grave. A turbulência é apenas a forma de determinadas
paixões que caracterizaram lutas armadas.
Subtil, conduzi-a à casa do Vita onde deveria estar sempre. O Vita é um
tipo fixe. Recebeu-me bem este senhor que nem sequer descobriu alguma vez que
em tempos eu sonhava com Ruth. Desconhecia por completo que a cor da gravata
que usava para ir aos funerais foi uma escolha rigorosa de um dos meus sonhos
que Ruth interceptara.
Ainda que o Vita soubesse de toda aquela partilha, abunda a meu favor o
facto de que nunca me aproximei de Ruth mais do que o necessário – pouco ou
nada conversamos, em hipótese nenhuma de haver contacto íntimo.
Demonstrou o Vita ser muito acolhedor, seriamente afável. Conversámos
enquanto lhe fui notando o sotaque dos Congos. Pode ser um congolês ou um
regressado da diáspora marcado pelo francês e pelo lingala.
- Ela estar sonhar cuesas de não prestar; eu lhi ouvir só no sonho dela;
cuesa de maluca, ahan; pessoa quando sonha tem que ficar calada, ahan; lhi veja
ainda como estar hoji, pai… Eu ir embora na Uígi. Eu lhi deixa aqui mesmo no
casa dela.
Está bem, pronto, esta forma de ser é que não presta. Admito que é
fraqueza deixar alguém que enlouquece, ma Vita não o fez por falta de
acolhimento espiritual. Desconfiava simplesmente de alguma traição que, repito,
não se dera em pleno.
Abandonada pelo marido, fui visitá-la uma semana depois. Alguma coisa se
passou nesse dia quando decidida ergueu-se e sem pestanejar sentenciou: “vou
sonhar comigo mesmo”.
Achei-a formidável e imprevisível, com uma lição para amar. Nunca vi
ninguém frenar no meio da deliração, reeducar-se e sabiamente corrigir alguns
defeitos, de modo tão inesquecível.
Praticamente Ruth saía do estado confusional para ir à guerra. Diante do
espelho temperava a cara: pintava os lábios, dizimava as sobrancelhas, pintava
os olhos, empoeirava-se… Se não fosse Outubro eu acharia ali mesmo o carnaval
ou quase.
Saiu a brilhar como uma índia com pinturas de guerra; saiu para acabar
com a minha vida de sonhos, indo para qualquer lugar e quem por pouco não
enloqueceu fui eu. Era já dada como morta em poucos anos que se interpuseram
dali ao momento que a avistei casualmente, numa terça-feira de verdadeiro
carnaval, passados quatro obnubilados anos. A esse tempo ela chamou “os anos do
chão” e sabia eu porquê.
Era a vez que passava no desfile o União Kiela, achei-a no meio das
peixeiras do município do Sambizanga que constituíam o essencial do grupo. São
as mesmas, em regra, que vendem o pregão do peixe no mercado de São Paulo. Ruth
estava uma cantiga com um floreado sobre o fundo claro da saia e um blusão
vermelho cheio de pequenos argumentos que de longe eu via cintilar como
peixinhos de prata. Estava linda e distinta no meio das peixeiras movendo o
semba do Kiela.
Concluí, de certa maneira, antes que a desejasse um dia em casamento,
que a vida vale menos sem sonhar. E foi o único modo de rogar-lhe que sonhasse
comigo de novo. Na sua resposta foi pragmática e disse: sim, aceito casar
contigo.
Na verdade eu não a tinha ainda pedido em casamento mas sei agora que
havemos de sonhar infinitivamente juntos. Deslumbrante.




Monday, October 31, 2011

Genial. Estou feliz por essa poesia, caro poeta. Achei-a por acaso e assim o meu dia melhorou. Também visitei a BARCA DOS AMANTES. Muito obrigado.

Wednesday, October 26, 2011

O COMBOIO PAROU EM CANHOCA
ao man'Lima
Lá vai a «cafeteira», bumbo de convulsões, comboio malanjino.
Lá vai um doido a desmoronar-se da época
grita a minha vida aiué aiué aiué.
Lá vai com metade de minha infância
mas os anseios sobrevivem ainda desde Kalandula
à Ilha do Cabo. Lá vai, bumbo de convulsões uéé uéé uéé
Mas cá fora era o espectáculo: quando o animal
ateava os carris, soltava-se em chamas alegre e rouco
«tem-quem-tem, tem-quem-tem, tem-quem-tem, tem-quem-tem»
hoje, da lembrança (ó sangue em meus
tempos novos) como partilhava o aceno na despedida
da última locomotiva;
Ó mãos que juntam gritos, meus irmãos
quantos são esses milhôes empurrando o
grande animal, quantos são? Esses milhões.
*****
O MEU "LIVRÁRIO"
~
Na sanzala há húmidas vergonhas.
Húmidas vergonhas! Veja lá o que é isso.
Dizem que são os cabelos revoltados
do meu pensamento coeso.
Andei na Universidade a evoluir o
pensamento.
Dizem que a Universidade é hoje a
única casa de Deus.
.
Mas quando ali passo, na minha sanzala,
rebuscam-me as veias. Dizem:
São da vida e dos nossos passos,
o teu percurso.
.
Como é que não fizeste
uma campa para o teu pai
em cima desta árvore?
.
Ah! Aquele dinheiro que geme nos meus bolsos!
Na verdade não hão-de os pássaros cantar
mês a mês a noite do meu sangue.
.
in a Forma dos Desejos II

Friday, September 30, 2011

CORRECÇÃO: a mensagem anterior sobre o lançamento de Rosas & Munhungo é um excerto da notícia estampada no Jornal de Angola de 30/09/11.

SOBRE O LIVRO DE CONTOS "ROSAS & MUNHUNGO" - Excertos
lançado aos 28/09/11


“Rosas & Munhungo”, o novo livro do escritor João Tala, foi lançado na quarta-feira à noite, na União dos Escritores Angolanos (UEA), em Luanda, numa sessão de venda e autógrafos bastante concorrida pelos amantes da literatura angolana.
O livro de contos, apresentado pelo escritor e secretário para a área cultural da UEA, Abreu Paxe, tem 105 páginas e faz uma abordagem ao quotidiano das mulheres angolanas, em particular.
De acordo com o autor, este livro nasceu no contexto do pós-guerra (...) “Tento abordar um pouco a trajectória de vida que muitas mulheres tiveram de seguir, após a guerra (...)
Dentro daquilo que a sociedade vive em relação às mulheres, João Tala tentou encontrar uma determinada temática, cujas personagens principais são senhoras como Josefa Confissão, Amélia Tchiquete, Lukinda, Rebeca Nzoji, Regina, Ana Rita e Maria Wataka.
A intenção do escritor foi abordar em “Rosas & Munhungo” situações que acontecem no mundo, em determinados cenários e contextos. “O livro está recheado de elementos metafóricos através dos quais os leitores podem tirar as suas conclusões”. A sua maior preocupação foi atingir uma determinada estética com a escrita e por isso, como sublinhou, “levei aproximadamente um ano para terminar a obra”.
Abreu Paxe disse à imprensa, à margem da apresentação do livro, que tenta procurar o equilíbrio na forma como regula o estilo literário e não literário. “As técnicas de construção estética de João Tala são inusitadas e bem feitas. Vê-se que existe consciência do mesmo na construção do material artístico”. Explicou, o escritor foi buscar figuras que em quase todas as sociedades são desconsideradas, pelo facto de serem meretrizes, e consegue atribuir-lhes valor existencial.

Obs: fotografia de M. Machangongo

Tuesday, September 20, 2011

SOBRE A POESIA DE AGOSTINHO NETO E AGUALUSA



Há cerca de três anos instala-se a polémica em razão de uma depreciação contumaz do escritor José Eduardo Agualusa à poesia de Agostinho Neto. Alguns escritores e leitores abalizados em estudos literários a exemplo do professor Pires Laranjeira e do crítico literário Luís Kandjimbo discordaram plenamente do Agualusa, na época. Recentemente no Semanário Angolense do dia 03/09/11 à uma pergunta relacionada com o poeta, o escritor considera que os versos de AN são extremamente frágeis. Pessoalmente não levo em conta o figurativo “poeta-maior” mas considerar tal poesia como frágil seria o extremo de uma cegueira intelectual, não revendo todo um contexto, a atitude ideológica no ambiente de adversidade colonial, no simbolismo que aflora a palavra de Neto. Aliás, está-se a discutir sobre alguém que fez poesia, uma escrita apreciada por muitos estudiosos. Isso por si só bastaria, indubitavelmente, ninguém havia de perder tempo discutindo onde não haja minimamente evidência poética. Ninguém sustentaria, por exemplo, uma polémica sobre a obra poética (ou pretensamente poética) de Jonas Savimbi porque não há naqueles escritos (li algures alguns textos) a mínima qualidade literária. Não há qualquer discriminação neste exemplo, apenas uma apreciação de factos literários.
Ouvi a propósito Abreu Paxe e Jomo Fortunato, solicitados a comentarem, numa rádio local a opinião do Agualusa. Ambos, em momentos distintos, coincidiram: a afirmação do escritor é por demais gratuita, certamente leviana, que não discordo porque qualquer depreciação pública de uma obra reconhecida, exige a produção de um texto que demonstre o “erro” e a inconsistência ou a insuficiência literária... Ou não é assim? Até porque não somos todos desvalidos da noção do belo ou falhos de cultura estética.
Para o Agualusa isso é uma obsessão: numa entrevista concedida a Denira Rozário e publicada num livro intitulado PALAVRA DE POETA, editora Bertrand, 1998, perguntaram-lhe:
- Acha que a poesia pode ter um papel político?
Respondeu:
- Angola preparou e anunciou o moderno movimento nacionalista; não por acaso o nosso primeiro presidente começou por ser poeta (infelizmente foi um mau poeta e um pior presidente)
Ora, estou me marimbando para o presidente que ele foi, mas não deixo de notar que a última parte da sua resposta pressupõe já essa obsessão pela descaracterização política e literária de Agostinho Neto. Tenho em conta que dentro de um contexto histórico, com matéria e quiça materiais diferentes dos que temos hoje, Neto soube construir a sua poesia nos padrões então em voga do neo-realismo.
Será que Agualusa está simplesmente preocupado em demonstrar o poeta que Neto não foi? Com que matéria? Fá-lo mal.

Joao Tala
Escritor

Thursday, July 14, 2011

CLIMATÉRIO

Boa-noite. Venho de lume à
brisa de terra.
Trouxe o frasco de hormónio
achei-o na farmácia do tempo.

Boa-noite pedacinho. Outro desejo e
dois sorvos. Avivarei mulher em ti
com fogo novo. Noitinha, senhora
súbita alegria de doer onde salgava
o útero. Mais um sorvo e saltam tuas rosas
outro sorvo pode extinguir a angústia
reunida nos teus ovários.

REGENERANDO O AMOR

poetisa tem ilha memória
o livro dos incêndios
tem também uma pedra no ombro
e as bandeiras que despi

receber (de mim) olhar.
escreve regeneração
e todos os dias um incêndio
na minha cabeça.

barulhos. éguas. trincheiras
poema de esperar. ainda

in Forno Feminino

Monday, May 02, 2011

JORGE MACEDO REVISITADO

Procedendo à "leitura do tempo" não pude deixar de revisitar PÁGINA DO PRADO de Jorge Macedo. Em nota do autor esclarece-nos que a abordagem poética real nesse seu livro tencionava diminuir certas reticências ou clima menos complexos de leitura, mergulhados em inquietações pelo tratamento na sua obra anterior intitulada "Voz de Tambarino". J. M. acatara os conselhos que recebeu na época - explicou - ... Revisitemos:



A DESILUSÃO


ama em espanhol
pois o amor armou
uma Invencível Armada
que um corsário incendiou

sentado em púrpura d'ideias
num coche real
o amor ouve o coração
transbordar intraduzíveis espantos de
inconsolação



PEDRO NAMORADEIRO



é uma ovelha velha
para Manuela
que na vida
sabe segredos para saborear
que coisa outra
pode ser
um animal
animado /por ela


NA PÁGINA DO PRADO


amar alimenta e faz cair o leite em chafariz
quando as cigarras incendeiam
florescências de palavras procriadoras
de
crepúsculos verbais.

J. M. in pággina do Prado, 1989
..............

Pronto meu kota, sempre a considerá-lo. Que estejas bem e amado no Reino da Poesia. Não te esqueças daquelas nossas tertúlias na UEA. Foi a quanto tempo, meu kota?







Saturday, February 12, 2011

REVISÃO DE "A FORMA DOS DESEJOS II"

dou à escrita meus tormentos

Com medo dou à escrita o que pertence
às vitórias;
narro a fadiga o funeral da
abundância;
arrastei corpos iletrados e maravilhas
dos palácios e mesquitas;
disseram-me que calasse atentavam
contra as palavras;
feriram o pensamento;
as palavras vieram juntar-se a
tudo quanto não vi.
Nunca mais verei nada!,
apenas o que disse das
palavras impacientes nas minhas retinas
desmistificadas.
E deram-me um tiro na retina.

o fruto imediato


são coisas do mar: a eterna cantiga
das águas e o cuspo na minha boca

e são águas homicídicas como
a lírica humana da morte e
o fruto imediato

dão-se-me ao ventre
(todos os rios encontram-se
na minha gruta)

e os náufragos rondam-me
a dispersa memória: a hora do
cantil derramar os olhos.

as páginas soltas

1.(uma prostituta fala a um cego)

tanto país de rumor
neste corpo deslavado

2.(um letreiro num prostíbulo)

o corpo o mundo a volta da bíblia
difícil d'escrever


3.(um homem dirigindo-se a uma mulher
invisível que se chama amor)

AMOR, meu grande amor,
já não posso fecundar-te, majestade
estou cansado e desenraizado


4. sou a paixão aberta
o meu pasto azul é o celeiro
das paixões:

a. a cigarra encontra o seu canto
o verso mecânico

b. como isso, as gotas padeciam de
fervura

deixa-me contar-te a ravina parida
no sul. daqui saltam pedras excitadas
apedrejam o fundo da questão:
o animal d'espírito em sua pele estonteante.



Friday, January 28, 2011

PODE SER. PODE SER


pode ser a morte ou o parto
deixar-me um riso ou um sonho
longas esfregas da água
ou a seca do hino

nas longas formas das mãos
diante da minha boca como
um peixe liso

exacerbar o canto
de uma ave intacta

esse hino que afinal é a morte
perde-se entre velhas memórias
que disse a parteira da morte:

as mãos aguardam o oceano!

in As formas do Desejo II

Saturday, January 22, 2011

REBECA NZOJI

(do livro rosas & munhungo, aguardando lançamento)

**************

Rebeca Nzoji[1] tinha uma estranha mania de ficar desarrumando noites, pulando de sonho em sonho como uma sonâmbula. Irrequieta mas nada grave, não fosse o mau hábito que tinha de buscar água de noite, no pequeno rio que, como ela própria dizia, corria entre nós dois. Isto quer dizer que os seus sonhos eram de mentira ou, pelo menos, não tinham a consistência dos de uma mulher que dorme porque entre nós pouco mais ou menos havia do que laços difíceis.

- Ontem vi um sonho, José, todo sem importância, uma gente afugentada, uma gente atrapalhada e desorientada...

Ela me dizia coisas assim tão paradas e sem sentido, que eu sempre duvido sejam sonhos realizados.

- Rebeca, sonho não se vê. Você dorme e pronto, acontece sonhar. Sonho se vive.

Outra coisa que eu mesmo desconfio é que anda planeando os sonhos, pondo conteúdos novos na sua cabeça, depois vai com eles sonambular na mentira de qualquer noite.

De dia dorme completamente, é dizer os olhos estão mesmo apagados, o silêncio é próprio de qualquer descanso, enquanto a tarde arde cá fora.

Lhe aviso os perigos que tem mexer na noite, ela não me ouve. Sabe Deus quanto me custou aguentar meus receios, até há pouco tempo quando o mundo era uma guerrilha.

- Um dia te encontram os guerrilheiros e raptam-te, mulher. Aliás, perdida como andas na escuridão, é muito fácil te acharem as balas e eu não sei o que faço desta vida sem você ó Nzoji. – Dizia-lhe, nada com tudo isso, ela não me aturava.

Finalmente firmava-se definitivamente a paz e nada aconteceu de imediato com os desequilíbrios da Rebeca Nzoji até que dessa vez saiu azarenta – são já sete dias perdidos – ela sumiu.

Com três dias, fui à polícia. O chefe fazia-me algumas perguntas inesperadas e anotava as respostas numa caderneta. Perguntava o que não tinha direito, coisas desconformes como esta: “porque não arranjou um guarda-costas pra sua mulher se sabe ela se aventurava na noite?”

- Meu chefe, somos um país de muito poucos. Guarda-costas é gente inútil. É uma pessoa a mais para atrapalhar.

- Agora começa a falar política. Olhem pro gajo...

Não é política, me desculpei, mas como é que ia pagar um tipo que tratasse de salvar primeiro o pêlo quando a bandidagem começasse em balázios? Alguns apenas engrossavam o tiroteio, mandando balas perdidas para todos os cantos, matando mais gente. A culpa ia ser minha se alguém se ferisse, já que tenho uma maluca em casa que fura pelas trevas.

Por culpa alheia passei a ser o primeiro suspeito na base desse desaparecimento, por mais incrível que seja. Ordinário – pensei – eu ia desaparecer minha esposa pelas funduras duma noite, num simples capricho? Que desumanidade!

- Quantas mulheres você tem? – perguntou o chefe, interrogatório que chateia.

Felizmente, eu só tenho a Nzoji. O chefe continua a pensar que dei sumiço em Rebeca para ficar com a(s) outra(s). Não tem cabimento.

A investigação começou a martirizar-me. Foram à minha casa procurar elementos, vestígios de crime, papeis que condenam, diário de morta, odores e outras coisas. Desarrumaram tudo... tudo. Um pente fino em minha triste vida. Agradeço que não voltem sem notícias de Rebeca.

O jornal da minha cidade relatava uma notícia desconfirmada: Rebeca Nzoji perdeu suas noites. Ela pode estar viva em qualquer dia. Segundo a polícia, configura-se um rapto e tem já um suspeito – o próprio marido.

Primeiro de tudo, rapto foi sempre uma invenção da guerrilha como forma de angariar as bases. Não estou em guerra com ninguém. Falam e escrevem à toa, isso me aborrece.

O meu bairro se atormentou no tema da cidade. O culpado em todas as hipóteses era eu. Muito mais chatice quando a Organização da mulher entrou no assunto: entrevistas na televisão e um debate que chamaram “Desaparecimento Feminino”. Falaram que Rebeca Nzoji desapareceu de maus tratos; e que seria eu quem a mandava buscar água na tromba do breu. Chatice maiúscula, delatar sem provas.

Ficaram piores quando uma das comadres ligou o sumiço ao oito de março – a data inesperada da noite que Rebeca levou consigo, partindo da minha (in)tranquilidade. – Me apontavam como um discordante do feriado da mulher. No meu bairro haviam de me perguntar incrédulos.

- Como é também você, no dia das mulheres manda a sua lá pro fim da noite buscar água? Você não sabe que nesse dia elas é que mandam? Na vez de flores oferece um ramo de castigos? – esse são os homens, mal influenciados pelo chefe da polícia do bairro.

(“Como é que eu explico, Nzoji, que tu és teimosa que nem casmurra? Respeitar tua liberdade passa pelo direito da tua casmurrice. Em casa, nós dois temos no direito de ser como somos, o dever de cada um. Tu passas por cada noite obcecada como um operário que acaba no seu dia, é uma liberdade tua que ninguém tem o direito de manchar nas antenas das notícias onde se espalham tantas inconsequências ou na esquadra policial. Se estás me ouvir, Rebeca, venha e me acuda desse mujimbo[2], ainda sou inocente.”) – esta minha oração eu só a murmurei. Entendo que ela pode escutar esta voz sofrida, do que gritando que nem raiva. É de meu avô que tinha todo o conhecimento, o aprendizado, dizia-me ele “meu neto, com os mortos a gente fala mudo; com o ausente a gente sussurra; uma voz baixinha vai mais longe do que a raiva”.

Com razão, meu avô, com razão. Rebeca reapareceu no sonho. Eu sonhava o que ela explicava: aconteceu de repentemente traída pelo sono. Enquanto lutava para se manter na vigília, algo desigual lhe surpreende entre sombras da vigília e do adormecimento. Esse desigual, algo que atingia o sono de uma pessoa que se quis parada na sua insónia, era um troço de gente. Seguira uma coluna de homens, crianças e mulheres, ensonados e sonhadores que diziam seguir o caminho das diferenças, um atalho que despertava na felicidade.

Haverá atalho nenhum que nos chega longe? Um caminho pequeno que desperta na alegria? É uma loucura, mais uma das poucas que Rebeca Nzoji me deu. Que diabos é esse diálogo que Rebeca estabelece com a minha conversa! Os nossos antepassados procuravam a felicidade em direcção ao mar. Do interior iam caravanas para o litoral... estou pensando bem? É provável: aquela coluna de gente sonhada perseguia uma certeza à beira do rio, direcção à foz. Isto é, para o mar.

Comecei uma briga com o tempo em marcha, obtive o direito das ajudas amigáveis e, esporeando um cavalo, cheguei ao limite do sono, onde despertei Rebeca rumando para o kalunga[3].

- Ias com o rio desaguar no mar?

Estava confusa recuperando-se do estado em que ficara hipnotizada. Ela sonhara com gente que não acontecera. Qualquer caminho, afinal, nos pode levar aos tempos intermináveis.

Rebeca Nzoji reapareceu mesmo quando o debate do “Desaparecimento Feminino” estava no auge, muito acima de mim. Parou toda a conversa; e parou com a chacota policial; e mais com aqueles que acreditavam que matei uma mulher. Os jornais apenas escreveram que ela foi resgatada de um sonho acordado, parada na insónia. E que ela seguia à beira da loucura, na margem do Rio Infindo. É outra mentira, ela ia desaguar no oceano com o seu rio, já expliquei, porra!

Agora, para não ter que explicar no futuro uma data de coisas nos meus acontecimentos com Rebeca Nzoji, peço divórcio.



[1] Nzoji, quando não é substantivo próprio significa sonho

[2] rumores; boatos

[3] mar; oceano

Sunday, January 02, 2011

Escritos de 1986. In Genésis - edição única da BJL Alda Lara


NASCER DA CHUVA

O pão das nebulosas
no trovão
do canário do canto
da terra deslizante

Mas é então a terra que
escorre o machado à raiz

É manhã de sonhos no ontem
com água. Tão linda a flor
do milho ainda inexiste
no boato do canário.


MUSA-PALAVRA


Perguntas quem minha
musa é
Não vive ela os
nomes à guisa. Não são
os seios pudicos com leite em pomba

Não se esplana aos portos
sediços que desembarcam as ancas
nos olhos acoplados do vagabundo

E os lírios lhe secam a seiva
imprimida.

É a PALAVRA de púrpura
apenas colhida das vozes que oiço
porque a palavra é a lavra em que
me cresço firme.


OBS: são impressões do início da canção; escritos de fome... vestígios de um sonhador, lá vão cerca de 25 anos.