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Saturday, December 18, 2010

BRIGADA REVISITADA

BJL ALDA LARA




No ano de 1980, ingressei nas Forças Armadas com colocação para a distinta província do Huambo. Levava na bagagem um bloco de notas, porém com a ousadia da iniciação na escrita literária. Na mente o receio de uma guerra que não sabia onde ia parar - estava o país ainda no quarto ano de independência, a caminho de completar cinco - e eu já vivera em pouco tempo traumas inconfundíveis. Comecei a escrever, e logo, poemas. Era o que me restava porque ali não podia "caçar" livros... Levava também uma bagagem centrada em minhas leituras. Nessa altura eu conhecia já o Júlio Graça, actualmente médico cirurgião, que em Luanda vivia no meu bairro e partilhávamos os mesmos amigos, ele que escrevia sob pseudónimo de Kima Kienda mas que depois desapareceu do submundo literário. O Graça era casado com a Bela Neto, actualmente também médica e que na altura escrevia sob pseudónimo de Mabel. Com o casal eu partilhava conversas literárias e até convicções. A intenção de se formar uma brigada literária conforme a que já havia em Luanda e na Huíla, estava bem patente em nós. Outros jovens seguiam na mesma senda mas não nos conhecíamos todos. E aconteceu que tendo o Comando Regional Militar realizado um concurso de poesia em 1983, fui o vencedor; e seguiu-se que quando fui reclamar o prémio conheci o Kudijimbe, então capitão, que tinha estado na origem desse concurso literário. Ele não deixou de abordar comigo o interesse pela formação de uma brigada literária no Huambo. O casal Graça conhecia mais militantes para a literatura com quem estabeleceu contactos. Trabalhamos os três num processo que visava a reunião de pretensos escritores, desde a reunião de documentos, leitura e policopiação dos estatutos que pertenciam a Brigada Jovem de Literatura de Luanda, para nosso informe (busca de experiência) e base material. A primeira reunião aconteceu ali onde funcionava o PUNIV (pré-universitário) e foi secretariada por um estudante do 4º ano de medicina veterinária, o João Maimona. Foi a primeira vez que vi o JM mas já conhecia de vista o Conceição Luís Cristóvão e o Aldino Remi que também compareceram. Estariam outros de quem não me lembro... Perdão, o João Manuel (Daile Heffingo), o Samono, o Joaquim Mande, onde estarão? A segunda reunião foi mais participativa e contaria já com a presença do Kudijimbe que regressara de uma viagem em serviço. O Kudjimbe tinha passado por experiências na BJL de Luanda. Nomeámo-lo secretário-geral, co-adjuvado pelo Graça. Isso aconteceu por volta de Setembro de 1983.
Veio o mais difícil: uma casa para os sonhos e dinheiro para se continuar a sonhar. Afincadamente Kudijimbe se destaca, ele e o Júlio Graça conheciam distintas pessoas contando pintores e músicos. A realização de uma actividade músico-cultural, com cenário no Cine Ruacaná bem no centro da cidade, permitiu angariar algum dinheiro. O sucesso dessa actividade fica muito a dever a dinâmica e a perspicácia do jovem capitão que montou uma eficaz máquina publicitária - isso era raro na época e no interior do país - porque então só o partido no poder usava dessas estratégias. A publicidade funcionou sobretudo nas escolas e através da rádio local. Ruacaná transbordava de gente, de entusiasmo, de música e de poesia.

Nem tudo era poesia. Éramos jovens, nós convivíamos bastante, sobretudo em casa do casal Graça, com música (o Graça toca muito bem guitarra), abordagens literárias etc.. Num desses encontros conhecemos o escritor, também jovem, António Fonseca. Fonseca se deslocara ao Huambo na perspectiva de instalar uma sucursal do INALD e assistira, levado pelo Kudijimbe, a uma maka literária apresentada a nosso pedido pelo escritor Fernando Marcelino, com a presença da sua esposa Miete Marcelino que mais tarde vim a saber era irmã do nosso kota escritor Dario de Melo. Miete era a responsável da Biblioteca Konstantin Kamoli onde ocorreu o encontro. Nós costumávamos admirar a sua vasta cultura (vénia à sua memória).
Em 1985 alguns membros saíram da província, cumprindo outras obrigações em suas vidas. Com as saídas do Graça, da Bela Neto, do Conceição Cristóvão e mais tarde do SG, a brigada claudicava. Eu e o Maimona saímos em busca do refortalecimento e não foi já o suspiro do Sonho. Porém, um ano depois chegou a minha vez porque tinha de continuar, por imposição da Faculdade de Medicina, o ciclo clínico em Luanda. Mas meu espírito continuava com o projecto BJL Alda Lara. Voltei ao Huambo logo que tive férias longas, a tempo de contribuir para a publicação do caderno policopiado Génesis - colectânea de poesia com seleccção de João Maimona, e outra contribuição importante do Moras Cordeiro, o Katchacha. Nessa altura já era SG o escritor e agrónomo Zé Coimbra. Coimbra tornou a brigada melhor, sempre contando com o experiente e galardoado João Maimona (Pémio Sagrada Esperança do INALD, 1984). O Maimona estava praticamente a caminho da consagração e isso ajudou, agregadamente, o "nome" da Brigada.


A maioria das províncias formavam suas Brigadas Literárias. Era moda nos anos 80. Projectava-se a expansão do fenómeno literário e haviam coisas boas. O poder entra em cena pela muleta de jovens escritores politicamente engajados. Era o golpe aos fenómenos regionais. O poder visava, contudo, a formação de uma brigada centralizada, politicamente comprometida, dando origem a Brigada Jovem de Literatura de Angola, sob fiscalização metódica da facha juvenil do partido. Não concordei. Adivinhei o fim do Livre Sonho. Individualizei-me e prossegui num projecto pessoal com saudades das tertúlias de outros tempos. Não me lembro quem se foi embora comigo mas uns poucos o fizeram. Com certeza.

João Tala